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Conto

Foi quando chegamos às portas daquele horizonte. Sentimos o perfume da terra molhada, enraizada até o céu que desmaiava. Pela estrada vendemos nossas armas ao caçador de Belmonte. Um olhar distante tocava as montanhas borradas. Éramos os primeiros a repousar sobre aquelas terras ermas. Homens de cores simples. De mãos fortes. Bravos corações gentis. Filhos de marinheiros, camponeses e reis. Estes que ouviram os primeiros dias. Foi quando chegamos. Aqui. Onde as estrelas são estranhas.

Do horizonte o farol resplandecia seu fosco azul escuro, borrado, ondulado. Tremulava como pedra negra. Forte como os fundamentos da terra.E uma pálida vela viva morta pelo vento. Levaria muito tempo para se entender os motivos do acaso e os planos do destino. Que linhas eles traçam? Que sorte eles lançam? É que muitos caminhos foram cruzados. E no instante seguinte tudo mudou. Acontecia que, lá do alto, Benjamim esbravejava, como flâmula em seu mastro de mezena. Pela luneta a certeza do que estava por vir. Naquele horizonte oeste a tormenta arrebentava a linha do mundo. Eis que caravela apontava no horizonte sem imaginar que sua velas seriam açoitadas e sua âncora partida. Estava ali! E, no entanto, descendo as escadas tropeçadas, o porteiro da luz ouviu o mundo rugir. E tudo balançou. E ele caiu. E sem a pólvora e sem fogo e sem a luz. Escarpas rochas salivavam à sua porta esperando o último suspiro de um naufrágio. E a loucura tomou conta das ondas que o primeiro raio partiu. E veio uma brisa fria, uma gota, uma ventania. E veio o fim do dia, da noite, da matiz. “Volte, volte, volte” gritou Benjamim. “O dragão não é moinho. Volte, volte, volte!” Vociferou. “Não tenho como acender uma luz para o teu caminho. O mar te chama de volta, mas tu não vai aportar.” Naquela altura o navio jazia preso a órbita de seu destino. Da janela baixa o porteiro saltou para península que avançava sobre as agulhas. E veio a torrente do céu. Lavando o mundo como se o oceano estivesse sendo despejado lá do alto. E com a morte em seu rosto, Benjamim gritou contra o mar…

Sobre a lua cruza um navio
Luz-de-fagulha vagalume
E em cada estrela um destino
No céu da boca que se abre sobre nós
Em cada esquina mil caminhos
A rubra quimera de uma rainha
Que eu beijei os pés despidos
Lavei com o sal das minhas lágrimas
Setenta e 7 dias por um caminho antigo
A porta do ministério e o cronógrafo
O lobo que uiva branco teus desejos sombrios
E o golpe do olhar de quem não é mais que inimigo
Em cada um novo outro eu
Sou eu mesmo o mesmo outro de agora
Respiro o ar que me faz pulsar
Ar comprimido que vai me afogar
Sou conde nessa corte de Toscana
Uma verdade de mentiras sinceras
E o sangue que não corre nas tuas entranhas
Escorre dentro da clepsidra que nos ordena
Conde da torre de Toscana
Dançando com o vestido que te espera
Sem súditos… cem súditos
Eu apenas rei-fora-da-lei
E o bater da porta que eu não sei abrir
Fecho os olhos do meu trono
Eu… conde da corte de Toscana
Sou prisioneiro… pois não sei fugir…

Deixei as chaves sob o azulejo
O cronógrafo parou de funcionar
Lembre de alimentar os dragões
Com o vapor da máquina de chá
Alfazema e alquimia de bruxaria
Abra cada brasa calando as palavras
Prepare a mesa e a lenha de vidro
No grimório a receita e a navalha
No pote com flores azuis
A varinha de pedra e sal
Quando anoitecer liberte a coruja
Tempere e corte a raiz de todo este mal
Minha xícara de café preto
Na lareira deixe namorar
Abra a porta para o lobo
Não deixe a ovelha entrar
Há muito tempo não somos iguais
Escolha bem do que vai lembrar
Faça um pedido, seu maior desejo
Na próxima estrela cadente… eu posso voltar…

(…) correndo por ruas quebrando ponteiros copo contra a parede derramando vermelho sobre o papel que não me ensina a escrever meu mestre partiu em noite escura de silêncio voraz onde arde ternura tirana que terrifica sem pontos e vírgulas uma vontade de não parar o braço que cai com o conforto do aço esmaga algum grito que perdura e as palavras que não saberei ler em sintonia com a noite quando pensei não existir algum sol capaz de nascer para essa vida continuar eu me fechei e liguei os motores esperando a tempestade tocar meus parafusos soltos cortando meus sentimentos destruídos e esperança de me entregar pois tenho amor e ira quando não me deste um me entreguei ao outro sou alguém sem nome este senhor tirano esquece e escreve poemas por não ouvir nenhum falar que corresponda então voltar ao silencio de um ser que não sei conjugar verbos além dos meus gritos que desejo entender velhas memórias de alguém que fizeste uso para meu corpo e me atrevo com rabiscos encontrar algum sentido me deste coração e não sei como amar me deste este corpo e não saberei dar sentido a vida que pulsa pois no fim não me deste razão costurada a pele que tece no sangue alguma emoção clamo mestre fica esta fúria de desejos que preciso calar para ouvir pois além desta noite vou matar pelas coisas que nunca vi e voltar ao mundo que é só meu por teu egoísmo e tua vontade de ser maior que deus (…)

Sobre relatos encontrados na investigação deste caso se esclarece a culpa do Dr. Victor Frankenstein. Com base neste documento encontrado em seu próprio diário. Este esquecido no bolso de um sobretudo preto (registrado como prova) usado pela vil criatura morta pela polícia. Nas palavras mal escritas por tal abominação fica claro que o Dr. Victor é responsável e culpado por atos de insanidade e imoralidade.